sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

victor paes, entrevista


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1. Victor Paes, alguma angústia técnica lhe tira o sono?
Bem, eu tenho uma certa dificuldade de pensar técnica como algo palpável demais no processo de criação. Tendo a entendê-la mais inserida em uma organicidade, que é fruto de um misto de predisposição para a coisa e de trabalho. Nesse organismo se metaboliza ao mesmo tempo tudo o que acaba convergindo numa obra. Eu sinto angústia muito aí, quando penso no quanto o trabalho está sendo ou não suficiente para alimentar a predisposição. E quando sinto essa angústia, a melhor coisa, que funciona sempre, é parar tudo e sentar para ler.

2. existem muitos poetas no Brasil?
Existem. O problema é que as dificuldades para a poesia, de todos os tipos, existem em uma quantidade proporcional. Isso acontece desde o ensino da poesia. A escola faz parecer que ler poesia é muito difícil e que escrever é muito fácil. Parece que, tanto para ler quanto para escrever, é só se concentrar no pouco que vemos dela na escola – sua funcionalidade, mais especificamente sua função emotiva (uma função legítima, veja bem, como qualquer outra, mas que não sobrevive sozinha), extraída quase à força de um mesmo grupo de seis ou sete poetas. Alguns passam a vida toda sem sair disso, mesmo após se ler e se publicar muitos livros. Mas os que são pinçados pela poesia de um modo mais sério correm por fora, buscam, enlouquecem e esses acabam vivendo a poesia mais seriamente. Esses já nem são tantos assim. Mas, claro, isso é só a ponta óbvia do iceberg. Quanto à escrita, mais especificamente, no fim não existe uma fórmula que defina alguém como escritor. Como ouvi outro dia do Raimundo Carrero, os escritores estão todos é no mesmo barco.

3. Victor Paes, poesia é arte? me desculpe a confusão, poesia é literatura?
Essa confusão é interessante. Porque se a poesia acaba, teoricamente, banida sempre para a margem da própria literatura, quanto mais da arte como um todo. Por isso é tão curioso o movimento que ela está fazendo em direção a uma reaproximação com as artes, cada vez mais no palco, em contracena, ao ponto de abdicar, muitas vezes, até das palavras. O que mostra que na verdade a poesia está acima de qualquer banimento, que ela pulsa sempre, mesmo quando lhe dão extrema unção. Inclusive quando no próprio papel.

4. Victor Paes, vc aspira um Brasil-civilização? quais suas inquietações políticas? vc se importa com política?
Teoricamente, se a política é uma mecânica que tem a todos como engrenagem, é impossível não se importar com ela, mesmo que seja através de nossa negligência. Tenho que reconhecer que às vezes tenho menos paciência do que deveria em acompanhar essa mecânica, principalmente a brasileira. Mas como política não se resume apenas à partidária, não há como um artista ser apolítico em sua obra. Fazer arte é um ato político por excelência.

5. e a mística? vc pensa nas coisas do transcendente?
Olha, já pensei mais. O complicado de pensar no transcendente é que isso já é desde o início um dar murro em ponta de faca. Sou mais pelo não pensar budista. Agora, nunca deixo de sentir espiritualidade nas coisas, em tudo. Principalmente na literatura.

 6. o q é isso de uma escrita (ou poética) fora dos gêneros? q território incomum é esse?
Olha, acho difícil dentro de um gênero não se ver elementos de todos os outros. Definimos um gênero agrupando alguns elementos que elegemos como comuns e excluindo outros. O que acontece hoje é uma tendência a cada vez mais desfazermos esses paradigmas. Esse território incomum torna-se cada vez mais comum. E isso é muito saudável.

7. qual conselho vc deixaria para um jovem poeta?
Conselho parece sempre uma afronta. Porque sempre tira quem o recebe de sua zona de conforto. Então acho que até posso falar por aí: um conselho, desconfiar sempre de sua zona de conforto. Achar sempre que quando a coisa se torna fácil demais, algo está errado. Achar sempre que nunca se leu 1% do que se deve ler. Que nunca se agiu 1% do que se deve agir.


Victor Paes é escritor, ator e editor da Confraria do Vento. Publicou os livros de contos Deus ex machina (Confraria do Vento, 2011) e Mas para todos os efeitos nada disso aconteceu (Dulcineia Catadora, 2010), além do livro de poesia O óbvio dos sábios (Confraria do Vento, 2007). Tem publicados seus contos e poemas em diversas revistas e sites. Participou das coletâneas 24 letras por segundo (Não Editora, 2011), organizada por Rodrigo Rosp, e XXI poetas de hoje em dia(nte) (Letras Contemporâneas, 2010), organizada por Priscila Lopes e Aline Gallina. Publica o blog www.victorpaes.blogspot.com


postagem de gilson figueiredo

2 comentários:

  1. Sem dúvida, além de um consagrado escritor, poeta, ator e tudo mais, é um grande e querido amigo de mais de 20anos. Sua inteligência e imaginação nas suas história, contos e escrituras é proporcional ao tipo de pessoa e companheiro que ele é até hoje pra mim: um grande amigo de infância. Por fim, tenho muita saudade de conversar e relembrar os velhos momentos de uma época muito feliz da minha vida e, com certeza, para ele também. Mas a rotina de vida torna-nos escravos das responsabilidades diárias. Sei que não é justificativa, mas gostaria de muito entrar em contato com ele, o qual perdi de vez. Muita sorte e abraço sr. Gilson! meu e-mail é jctemistocles@yahoo.com.br

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  2. Ótimas perguntas! Grandes respostas

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