domingo, 4 de dezembro de 2011

poemas de João Lima





início

Escrever é frio e difícil.
É como a vertigem que se tem
de um alto edifício
visto de baixo pra cima.
E o contrário: ânsia de precipício.
É perder um pouco a vida
na esperança de voltar ao início
onde tudo era fábula
onde tudo era indício.

*

grafite

 garatujo no papel branco
e cúmplice
nele tua esquecida
feição se esboça
sem razão de ser
risco tua boca
folha caída de maio
seiva terra carbono água-forte
que tento colar à minha retina
árida de matizes
de tecnicolor
como cada palavra
numa frase inteira
poema que no escuro a mão não
escreveu

*

um pouco de calendário
ainda paira sobre
as coisas: no cochilo
da velha amendoeira
por exemplo
alheia ao ir e vir das estações
na placidez dos móveis da sala
no descanso dos motores
e dos eletrodomésticos
na poeira
de um retrato velando
sobre o criado-mudo
um tempo que não volta mais
no cheiro da comida
que se faz para quem
há de partir

*

Que inexplicáveis as pessoas.
Caminham para onde nesta avenida?
Esta avenida
— sem fim —
vai dar num antigo porto
onde a cidade é mais linda.
Nesse porto (nesse porto
eu eterna criança quisera estar)
o mundo acaba em pássaros e
contêineres.

*

amo também
tua falta

tua disciplinada
e voluptuosa

ausência

#

João Lima tem 23 anos e é jornalista de primeira viagem. Tem um livro publicado, a coletânea de poesia Cartilha. Um conto na antologia A polêmica vida do amor, recém lançado pela editora Oito-e-meio. E três poemas no jornal literário Plástico Bolha. Mantém o blog Para folhear.



postagem de Bruno de Abreu  

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