I.
a pedra é o porto do tempo
o tempo
senta no tempo
que senta no tempo
e isso é uma pedra.
concentra os ventos
marítimos
pressiona planícies
imanta peles mortas.
indícios na pedra:
todos os ritmos
todas as síncopes
todos os sons
somem - pra onde vão
depois que soam?
Vão para a pedra.
o tempo é um ponto
II.
o oceano assopra
põe limo nas pedras
e põe metabolismo nos portos
e põe cumes na terra
e põe homens a completar olhares
com carnes
com couro
com cidades
e culturas
que são pedras assopradas
tempos sentados
e cheios de metabolismos águas
*
ANÚNCIO
I.
o que fazer?
a lingua é vasta
e dela detenho apenas
a sorte de habitá-la na extensão de meu corpo.
a vida não basta
a lingua é vasta.
e, não sei como, ainda me pedem,
seguros de que estão certos,
para que eu me furte dessa pequena extensão de língua
que me foi dada tão fortuitamente.
já somos tão inábeis
dentro das nossas possibilidades
de habitar a língua em toda sua extensão...
mas querem
obstinadamente
que a vida baste
e me dizem não.
negam-me essa auto-percepção de ser pequeno
e inábil.
para tanto, se usam de
habilidades vãs
e grandezas, menores que a pequenez do corpo.
o corpo furtado
tem sido a empresa dos homens.
II.
Me detenho um instante sobre essas palavras aqui escritas
esse anúncio
ainda não é poesia.
*
no meio de uma curva perigosa
às vezes a gente vai por curvas perigosas em alta velocidade
e nos descobrimos arenosos, ásperos
às vezes a gente vai por curvas perigosas em alta velocidade
e nos descobrimos arenosos, ásperos
no meio de uma curva perigosa
às vezes, enquanto vôo
sinto números nas minhas costas
fazendo cócegas
girando mundos que vivi e não vi.
Às vezes, em alta velocidade, já perto da estratosfera
com cristais de gelo nos olhos
me bate uma certeza doida
de me sentir uma parede de corais
que estivesse o tempo todo em baixo d’água
num recife.
Às vezes alguém toca piano dentro de mim
harmonias largas, quase separadas
unidas por uma linha fina quase transparente
que se estende indefinidamente
tal qual horizonte dentro de mim.
As vezes
agente vai
por curvas perigosas
em alta velocidade
*
amor
O amor é um deserto que se estende à frente do determinado
O amor é um deserto que se estende à frente do determinado
é quando o tempo se perde no gosto de alguma coisa
é quando se sente um gosto além da coisa
e se consente a coisa de vários lados
O amor é uma geometrização em que a gente explode
é profanar as máscaras
e sabotar as máquinas
contínuo rolar de pedras
É mergulhar no íntimo e encontrar o ridículo.
e brincar com ele
caindo
espirando sangue na terra.
Jornal Tópico
Metalogo-grafia
postagem de Bruno de Abreu
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