domingo, 17 de janeiro de 2010

desenhos e poemas de Francieli Spohr


Seria uma torta de cipreste
e funcho em sangue
trilhos desgovernados
diretamente
contra
o mar. Ao sul do sul.

*























Crescendo entre as costelas
das constelações -
entalados -
os meus desejos
perdem os traços
e os brotos
enquanto aguardam que eu caia para cima.
Duas noites e um varal de estrelas me condenaram.
Fugir é um brinco.

*
Com fome,
abro os zíperes
dos talhos nas pernas.
(Minha casa queima
por dentro
das paredes.
Está o segredo)
A geladeira aberta
a noite inteira
minha frieza é um pecado ecológico,
com medo do bicho
não consigo
parar de olhar
pro abraço congelado.
Entre as ervilhas,
o sorvete,
e o seu baço.

*
as flores na parede da cabeceira da cama foram coladas tortas, como um presságio - ou um aviso - sem querer

mas cada um com seu jardim

do som latido que vem de dentro da boca de um cao lá longe escuto o mar
do fundo da sua goela
lá longe
tem o mar.
sempre tem o mar
até pra quem já vive lá.



*


diário sem braço


nos teus dias de lycra esgaçada
e viola de 3 cordas quebrada
nos teus dias de poeira na goela
tão seca que não deseja água
nem nada
nos teus dias há mais ou há menos
as vezes sobra pedradas

abro minha cabeça e misturo no minguau
o café da manhã que não tem
amanhã

dentre os pulmões recolho o corpo cardíaco
e descasco
tem pouca polpa fresca
pra virar suco.
tem muita ponta fazendo festa
no peito do escuro.

nos teus dias de amarelo sem estrada
nos teus dias de vermelho sem escada
nos teus dias de azul que não está
nos teus dias de verde que escapa
nos teus dias de branco sem o que virá
nos teus dias de furta cor sem mar
nos teus dias sem festa só ressaca
eu chego chego e venho
casamata invisível,
estrutura de armar.

*

quando eu não sei rezar
tenho uma letra feia
quando o humano não está
sobra um tecido enfiado nas meias
um paralelepípedo pode ser um lugar
se voce morar nele
como um inseto pequeno
um ator
comendo sua manhã
com aveia e veneno



*


raio ultravioleta potencializador super pawa lindo me atravessa


querido raio que tudo faz
com um milhão de força de frente pra trás
eu desejo com todas as células do meu coração
q toooooodas as pessoas do mundo e do super mundo e do inframundo e dos meio mundos
gostem de ver nuvens
lembrem que são serpentes
aprendam a ser árvores
dominem ser universos de estrelas
e possam
todos
pelo menos uma vez na vida
ser só um rio.
sem nada por cima.

§§


"Francieli Spohr observa a literatura contemporânea com um sorriso de canto. Voraz consumidora de um pop antes dele ser popular, a garota germânica de cabelos que não param de crescer dispõe dos ingredientes certos para dinamitar a pasmaceira de um meio literário implodido pela autofagia em que se acomodou. É mãe, funcionária publica e shoegazer. Desenha seres que misturam a natureza assustadora de pele e dentes de crocodilos com o olhar suave das princesas nos contos de fadas. Habita o inabitável. O olhar de Francieli é um caldeirão ebulindo promessas. Pode ser o esperado primeiro romance ou o dilacerante poema que escreveu após a mais recente viagem para longe de casa. Francieli quase se dilui nos personagens que cria, encontra-se fugindo de si pela trilha perigosa e incerta de um anti-caminho que, não fosse a agilidade de seus pés, chegaria a lugar algum. É preciso atenção ao jogo de pseudônimos que ela propõe. É preciso saber que “QuaseChuva”, “Sara Lee”, “Tangerina Lili”, “Anordcrycroilin” são um jeito que ela encontrou de ser Francieli Spohr. E não adianta procurar no Google."

Ismael Caneppele é escritor e roterizou em 2009 um de seus livros para o filme homônimo "Os famosos e os duendes da morte". Mantém o blog Texassucks.

§

A PRIMEIRA VEZ que falei com a Fran, pela internet ainda não tive a chance ao-viva, ela me disse para olhar o sol porque não havia sol mais branco e forte do que no inverno. Perdemos contato e agora ela assina como @quasechuva no twitter e chovia quando descobri isso e mandei um oi. Por que estou falando de nós e não sobre ela? "Falo dos outros em mim pra não mentir por mais ninguém."

Mas há os poemas e eles são desconsertantes, é isso que eu acho que eles são, desde a colisão de campos semânticos (paralelepípedo e aveia) até a espontaneidade construída com muito layout default e escrita coloquial. A questão é que só o imperativo move esta poética e ele pode vir desde o mais exterior e burocrático, dados de uma notícia de jornal, até a mais pessoal e urgente das questões.

Paralelismo? Só se for para repisar. Estrofe? Só se for para adiar o óbvio, fim, ou esconder a pérola, brinco modesto. O que interessa à Fran tem cheiro de ferro e cerejas. São vasos com galhos. O que dói e onde, múltiplos, um exagero, mas o quando é agora. Seco e quase lento.

"sempre tenho medo de que ao mexer demais num texto, ele deixe de existir" e esse medo é o que mais me encanta nela.

§§


Blogs da Fran:

EU QUERIA QUE SER BOB DYLAN VALESSE A PENA
e  QUASE CHUVA


Postado por lrp,

2 comentários:

  1. nossa, bacana demais tudo isso aqui!
    adorei o porjeto!

    obrigada pelo convite, lrp, aceito sim, e me sinto lisongeada ao ser chamada a contribuir com um pouco do meu registro caótico para um espaço tão legal :)

    é só combinarmos!
    abraço :)

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